terça-feira, 15 de novembro de 2011

Lar: encontros e despedidas.

Buenos Aires, 14 de Novembro de 2011.


Senhoras e senhores passageiros,

Ontem, após de ter feito o desembarque em nossa última parada depois de duas escalas fui ao hotel descansar. Um lugar aconchegante no centro de Buenos Aires, um pouco distante do aeroporto, mas nada que um táxi não resolvesse. Já era por volta das quatro da manhã quando cheguei ao hotel, fui recebido pelo recepcionista, subi ao mesmo quarto de sempre: uma suíte no sétimo andar, de paredes azuis; uma poltrona vermelha contrastante; um conjunto de  mesa e cadeiras, sobre o qual repousava sutil arranjo feito de lavanda e alecrim que deixava exalar seu cheiro por todo o quarto, e, é claro, uma cama e uma banqueta. Sentir aquele cheiro me fazia pensar estar em casa. O lar é aquele lugar único que você quer sempre voltar, mesmo tendo conhecido todo o mundo. Deixei-me cair na grande poltrona e me perdi num pensamento vindo de longe,  uma lembrança empoeirada do fundo da mente. 

  ― Ollie, vem ver. Está dizendo no jornal que o cometa Halley vai passar hoje a noite no céu!
 ― Vamos hoje ao parque ver, Arthur?

Cabelos pretos cacheados, pouca altura e flor da idade. Era, com certeza, grande parte dos meus sonhos. Cheirava sempre a lavanda, como que tivesse acabado de sair de um banho.
 
― Trouxe a câmera? Quero registrar esse momento: eu, você e o cometa! Falei.
― Trouxe. Câmera, rádio e coca-cola. Tudo que uma noite precisa!

― Então liga! Quero ouvir uma música que me faça lembrar disso pra sempre!
 ♫"Já não me preocupo se eu não sei por que.
Às vezes, o que eu vejo, quase ninguém vê
E eu sei que você sabe, quase sem querer
Que eu vejo o mesmo que você
"

Irrompeu o rádio no último volume. Legião Urbana estourava em todas as paradas de sucessos das rádios. Dançamos e, ao final da canção, o locutor anunciou:

― Atenção ouvintes! Passa agora pelo céu de nossa cidade o cometa Halley!

Viramos de súbito e lá estava ele, astro, desfilando com sua imponente cauda de nácar.

― Pega a câmera! Falei rapidamente.

― Não, Arthur. Faz um pedido primeiro.

― Pedido? Como? Cometa não é estrela cadente! 

― Vai! Faz um pedido!  

― Tá bom! Eu desejo poder voar pelos céus, como o cometa, e saber que sempre posso voltar para você, meu amor. Se você me esperar. Disse rindo de mim mesmo por fazer um pedido a um... cometa!

― Não, não vou te esperar. Estarei com você em cada momento, em cada caminho. O amor não é a espera, é o tempo infinito e completo!


 Dormi ali mesmo na grande poltrona vermelha daquele quarto de hotel. Acordei com o telefone aos brados e ainda um pouco desorientado ouvi ao atender: 

―  Amor, acorda... Está na hora de decolar e voltar para casa.


Forçando um sotaque espanhol respondi:
― Te quiero, cariño!

Enfim, caríssimos passageiros! Nunca pensei que teria acatado meu pedido de adolescente gracejador . Até mesmo um giramundo, como eu, precisa de um lugar para voltar. E se, como diz Guimarães Rosa: "esperar é reconhecer-se incompleto" só estarei completo quando encontrar Ollie e, novamente, sentir seu cheiro de lavanda recém colhida. Um homem do ar sempre sabe o momento do regresso, mas igualmente sabe o momento exato de partir, pois a vida, esse grande emaranhado de tempo, é feita também de encontros e despedidas.

Espero que tenham tido uma viagem agradável e voltem sempre ao seu lar, seja no ar ou na terra.

Cordialmente,

Comandante Arthur Machado.
               

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