Cartas do Comandante

Lar: encontros e despedidas.

Buenos Aires, 14 de Novembro de 2011.


Senhoras e senhores passageiros,

Ontem, após de ter feito o desembarque em nossa última parada depois de duas escalas fui ao hotel descansar. Um lugar aconchegante no centro de Buenos Aires, um pouco distante do aeroporto, mas nada que um táxi não resolvesse. Já era por volta das quatro da manhã quando cheguei ao hotel, fui recebido pelo recepcionista, subi ao mesmo quarto de sempre: uma suíte no sétimo andar, de paredes azuis; uma poltrona vermelha contrastante; um conjunto de  mesa e cadeiras, sobre o qual repousava sutil arranjo feito de lavanda e alecrim que deixava exalar seu cheiro por todo o quarto, e, é claro, uma cama e uma banqueta. Sentir aquele cheiro me fazia pensar estar em casa. O lar é aquele lugar único que você quer sempre voltar, mesmo tendo conhecido todo o mundo. Deixei-me cair na grande poltrona e me perdi num pensamento vindo de longe,  uma lembrança empoeirada do fundo da mente. 

  ― Ollie, vem ver. Está dizendo no jornal que o cometa Halley vai passar hoje a noite no céu!
 ― Vamos hoje ao parque ver, Arthur?

Cabelos pretos cacheados, pouca altura e flor da idade. Era, com certeza, grande parte dos meus sonhos. Cheirava sempre a lavanda, como que tivesse acabado de sair de um banho.
 
― Trouxe a câmera? Quero registrar esse momento: eu, você e o cometa! Falei.
― Trouxe. Câmera, rádio e vinho. Tudo que uma noite precisa!

― Então liga! Quero ouvir uma música que me faça lembrar disso pra sempre!
 ♫"But I see your true colors
    Shining through
    I see your true colors
   And that's why I love you"

Irrompeu o rádio no último volume. Cyndi Lauper estourava em todas as paradas de sucessos das rádios. Dançamos e, ao final da canção, o locutor anunciou:

― Atenção ouvintes! Passa agora pelo céu de nossa cidade o cometa Halley!

Viramos de súbito e lá estava ele, astro, desfilando com sua imponente cauda de nácar.

― Pega a câmera! Falei rapidamente.

― Não, Arthur. Faz um pedido primeiro.

― Pedido? Como? Cometa não é estrela cadente! 

― Vai! Faz um pedido!  

― Tá bom! Eu desejo poder voar pelos céus, como o cometa, e saber que sempre posso voltar para você, meu amor. Se você me esperar. Disse rindo de mim mesmo por fazer um pedido a um... cometa!

― Não, não vou te esperar. Estarei com você em cada momento, em cada caminho. O amor não é a espera, é o tempo infinito e completo!


 Dormi ali mesmo na grande poltrona vermelha daquele quarto de hotel. Acordei com o telefone aos brados e ainda um pouco desorientado ouvi ao atender: 

―  Amor, acorda... Está na hora de decolar e voltar para casa.


Forçando um sotaque espanhol respondi:
― Te quiero, cariño!

Enfim, caríssimos passageiros! Nunca pensei que teria meu pedido acatado. Até mesmo um giramundo, como eu, precisa de um lugar para voltar. E se, como diz Guimarães Rosa: "esperar é reconhecer-se incompleto" só estarei completo quando encontrar Ollie e, novamente, sentir seu cheiro de lavanda recém colhida. Um homem do ar sempre sabe o momento do regresso, mas igualmente sabe o momento exato de partir, pois a vida, esse grande emaranhado de tempo, é feita também de encontros e despedidas.

Espero que tenham tido uma viagem agradável e voltem sempre ao seu lar, seja no ar ou na terra.

Cordialmente,

Comandante Arthur Machado.
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O Despertar da Consciência.

Salvador, 13 de novembro de 2011.



"Juntei lenha, gravetos, palha
Fiz uma fogueira lá no fundo.
Subiu um fogo tímido,
Invisível talvez.
Joguei nele tudo que trazia
O tempo, a dor, o sonho.
Queimei no lume
A ilusão, o amor, a palavra
Até restar minha ausência.
Qual fênix, inflamei a mim mesmo:
Perecer na esperança,
Para então refazer-me do gris.
Não encerrar o teto, o cais, as posses
Apenas que os pés assentem na relva
Mirar no fogo meu destino
E no fenecer brotar outra vez
Nada mais."
                   (W. Machado)
                           

Senhoras e senhores passageiros,
A vida, este emaranhado de tempo e dúvidas, nos propõe múltiplos desafios: Escolher a profissão, contruir seu futuro, ter filhos, cuidar da saúde... mas talvez, o maior de todos os desafios esteja no plano metafísico: Descobir quem é você, qual o seu papel no mundo, DESPERTAR A CONSCIÊNCIA sobre si e sobre os outros. Um processo lento e gradual que exige persistência, pois "lavar a alma" e confrontar suas crenças, mitos e ideologias acerca de tudo pode doer, principalmente, doer o orgulho..
Viajar é sempre um convite à liberdade, ao acaso. Quando se vê do alto, a vida que vai passando na terra, se questionar sobre a vida que passa dentro de si pode acarretar em grandes descobertas e até mudanças drásticas.  Uma vez soube da história de um aviador que sofrendo uma pâne no motor de seu avião, em pleno deserto, encontrou-se com a sua consciência sob a forma de um pequeno jovem príncipe que o estimulou a buscar as respostas mais simples para as perguntas mais complexas, porque "o essêncial é invisível aos olhos". Pode-se dizer que depois desse encontro, sua vida não seria mais a mesma. Essa inquietante história foi, depois, narrada em um dos maiores clássicos da literatura mundial: "O Pequeno Príncipe - Antoine Saint-Exupêry", publicado pela primeira vez em 1943 e que até os dias atuias marca a vida de muitas pessoas.
Portanto,  queridos passageiros, desvendem também o sentido da vida, embarque no vôo da sua alma, alcance o infinito e descubram o que é essencial para você. Viva o novo!

Espero que tenha tido uma viagem agradável e nos encontraremos mais uma vez nas escalas, pousos e partidas desta nave chamada vida.

Cordialmente,
         Comandante Arthur Machado

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Vôo da Madrugada: Abertura


Salvador, 11 de novembro de 2011.


Senhoras e senhores passageiros,

Comandar uma aeronave nem sempre é fácil, lidar com tantos controles e instuções ao mesmo tempo é tarefa, por vezes, estressante. Mas existe algo que sempre nos incita a continuar: Alcançar as alturas, tocar o céu e saber que ele não é o limite. Do alto se vê vastidões, percorre-se distâncias inimagináveis, mas nada supera a incrível sensação que se tem ao ver, do mais alto céu, despontar no horizonte o sol. Saber que a vida começa outra vez. Dizer assim como o poeta:


"Clara manhã, obrigado,
o essencial é viver! "  
(Drummond)

É nesse clima de intimismo e criação que o "Vôo da Madrugada" se levanta do solo, pela primeira vez, para alçar as distâncias mirando o sol da sabedoria na certeza que, de todas as coisas que neste mundo foram feitas, a amizade constroi a melhor tripulação!
Espero que tenham uma viagem agradável e que esse espírito de harmonia, cooperação, criação e amizade esteja sempre presente.

Cordialmente,

Comandante Arthur Machado. 


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