sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Poema avulso: Imagética




O twitter no telhado cantarola aquilo que não se ouve,
enquanto notas musicais mergulham no poço quadrado e sem fundo.
No poço, quadrado e sem fundo, se deixam cair todas as ilusões.

Aquelas que se criaram ao passar pelas infinitas estantes
que em perspectiva se contruiram perfeitos três ângulos e lados
mas para além de estantes, cores e formas.

Há pessoas.
Pessoas que deitadas para não esquecer do sonho
abrem em livros portais de palavras
para a dimensão sem limite,
onde ponto, reta, plano, espaço e tempo
são apenas formalidades de lógica humana.

Aqui, nesse mundo que é real porque existe,
no mais secreto bailar de luz e sons,
vejo tudo aquilo que não se vê
e sinto tudo aquilo que não se sente.

Mas tudo se desfaz, no papel que agora amasso.
Sei que não é matéria o que preciso.
De tudo, quero e sou apenas sonho.

(Texto: Comte. Arthur M. / Imagem: Aeromoça Christine A.)

 Original post from Caixa de Verdades by Marcela Almeida

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Cogitações da Aeromoça: Imensidões

Caros passageiros,
       Hoje devo surpreender-los dizendo que não contarei sobre os recentes acontecimentos que tenho passado com vocês em pleno voo. Porém, relatarei a minha pequena trajetória no Capão/Chapada Diamantina, durante as férias. São apenas algumas reflexões internas que fui desenvolvendo durante as trilhas, espero que gostem.

Senhores passageiros, tenham uma ótima viagem!
Lembrem-se: apertem os cintos de segurança e em caso de emergência, máscaras de palavras sempre cairão!
IMENSIDÕES 


BRASIL - CHAPADA DIAMANTINA - Em: SERRAS DO VALE DO CAPÃO - 19ºC - 14h37min


Isso aqui é muito mais do que imaginava! – Retruquei em meus pensamentos.

Quando subi a serra para observar as montanhas da Chapada fiquei imaginando como seria esta sensação, porém, agora posso dizer que tudo que assisto, ouço e sinto é incrivelmente inexplicável. 

Foi um pouco cansativo seguir a trilha para alcançar este lugar, tinha bebido bastante água, e também havia escorregado em algumas pedras e barro. Por incrível que pareça demorei exatamente duas horas para chegar aqui, e isso tudo proporcionou uma grande conversa com os meus pensamentos que se condensavam ao admirar cada flor, folha, pedra e chão. A arte que respira ao meu lado fazia o favor de cantar nos meus ouvidos e o seu cheiro e forma fez lembrar a minha infância. Eu conseguia ouvir a voz de minha mãe:

- Menina, saia já dessa varanda! Vai logo tomar o seu banho, porque eu tenho que ver se sobrou algum espinho em suas mãos! - Um breve sorriso transpareceu no meu rosto.

Desde pequena adorava mexer com a terra, e por isso minhas mãos ficavam cheias de espinhos das flores. Mas agora, que posso me cuidar sozinha, não ouço mais os gritos dela e por costume, confesso dizer que sinto falta disso.

Neste exato momento os meus olhos começaram a vagar nas montanhas e a sua atuação era como a própria fênix em pleno voo, que ao seguir o seu rumo se queimava ao morrer por cansaço da velhice, para posteriormente renascer ainda mais belo e pleno. Neste meu mundo, agora cursa a saudade e a sua imensidão.

Fui em direção às plantas e com um movimento circular comecei a tatear sentindo cada linha de textura da folha.

- Mas que aperto no peito! – Cogitei em voz alta

Tudo isso oferece para mim uma maravilhosa nostalgia suprema, que apenas poderia ser quebrada por uma coisa: A fome! Rapidamente larguei a folha e abri a minha mochila para revistar o que tinha dentro dela. Lá se encontrava a minha garrafa, que por sinal a água já estava no fim, algumas barras de cereais, duas maçãs, um papel toalha dobrado e acessórios para me ajudar na trilha. Eu optaria por barra de cereais, mas como proporcionava sede e tinha pouca água para me ajudar na condução da volta, por falta de opção sugeri pegar aquela humilde maçã que implorava para ser mordida.

-Venha, sua linda. – Falei sozinha novamente

Fui procurar uma pedra mais alta, logo que a encontrei me apoiei nas pedras menores e sentei, dei a primeira mordida na minha maçã, e rapidamente uma trilha sonora passou em minha mente:

“Me resolvi por subir na pedra mais alta, pra te enxergar sorrindo da pedra mais alta... Contemplar teu ar, teu movimento, teu canto, olhos feito pérola, cabelo feito manto... O medo fica maior de cima da pedra mais alta, sou tão pequenininho de cima da pedra mais alta...” 

Me pareço conchinha ou será que conchinha acha que sou eu?


[CONTINUA...]



Aeromoça Christine Almeida.

domingo, 2 de setembro de 2012

O homem no tempo: A chuva. (Crônica)


Salvador, 31 de agosto de 2012.

Senhoras e  senhores passageiros,

    A vida nas grandes cidades passa a cada dia mais e mais rápida, ao passo de não percebermos as miudezas que se afogam na rotina e que se entranham nas paredes e muros de pedra e cimento que com mãos abertas construímos. 
Exatamente num dia igual a qualquer outro no calendário, exceto pelo fato de ser infinitamente março, caminhava a multidão sem nome. Pelas ruas enladeiradas fui subindo e descendo penando nos afazeres que havia deixado para a volta. De surpresa senti o peso molhado de um pingo cair sobre meu braço e despertei das ideias em que me meti. Assim, uma após a outra, milhares de gotas caiam e logo era uma tempestade de fim de verão. As pessoas nas ruas corriam desesperadamente feito formigas que tontas procuram abrigo, ou talvez, uma arca como se o próprio dilúvio  estivesse por desaguar. Continuei até ouvir o ronco de o primeiro trovão retumbar forte no meu peito até doer. Olhei para os lados e procurei uma marquise e, do mesmo jeito que as formigas, me escondi.
Enquanto esperava a trégua dos céus, um homem continuou seu caminho. Ele e seu guarda-chuva preto desciam a rua como se tudo não fosse mais que o sereno da noite. Fiquei inquieto com a situação. Ele parecia ignorar, voluntariosamente, todos os olhares ao redor, desprezando as regras sociais que impedem um sujeito normal de caminhar na chuva torrencial. Agora minha inquietação já era quase raiva diante do contrassenso. Quem aquele homem achava que era? Acaso estaria ele em Hollywood para bancar o Gene Kelly e sair dançando em plena chuva? Resolvi olhar para o lado e esquecer. Pensei dizer-lhe umas boas verdades, daquelas que palavras têm o som de espadas em campo de batalha. Desisti. Talvez o irracional naquilo tudo fosse eu. Quis sorrir das circunstancias como os garotos bobos do outro lado da rua que com o dedo em riste apontavam e riam-se em largas gargalhadas, mas o que ele havia feito era imperdoável. Como alguém pode atirar verdades. em seco, sem usar  um único verbo? Cada passo que dava me dizia “covarde, tem medo dos olhos alheios”; “não tem coragem. É chuva, e só!”; “Fraco, eu sei que você queria estar no meu lugar”.
O homem sumiu de vista, a chuva começou a cessar e aos poucos as pessoas apressavam-se em mover para, novamente, voltar a ser a multidão sem nome, mas com olhos, ouvidos, bocas. Tomei a condução no mesmo ponto de sempre e fui em direção ao dia-a-dia. Agora, bem, agora espero outra chuva cair e, para o desdém do homem, fugir pelas aleias estreitas sem guarda-chuva ou capa. Só espero cair, cair, cair e outra vez gotas caírem.

    Espero que tenham tido uma viagem agradável e que a cada dia aprendamos a beleza dos dias brancos de chuva.

Cordialmente, 
- Comte. Arthur Machado -