Salvador, 31 de agosto de 2012.
Senhoras e senhores passageiros,
A vida nas grandes cidades
passa a cada dia mais e mais rápida, ao passo de não percebermos as miudezas
que se afogam na rotina e que se entranham nas paredes e muros de pedra e
cimento que com mãos abertas construímos.
Exatamente num dia igual a
qualquer outro no calendário, exceto pelo fato de ser infinitamente março,
caminhava a multidão sem nome. Pelas ruas enladeiradas fui subindo e descendo
penando nos afazeres que havia deixado para a volta. De surpresa senti o peso
molhado de um pingo cair sobre meu braço e despertei das ideias em que me meti.
Assim, uma após a outra, milhares de gotas caiam e logo era uma tempestade de
fim de verão. As pessoas nas ruas corriam desesperadamente feito formigas que
tontas procuram abrigo, ou talvez, uma arca como se o próprio dilúvio estivesse por desaguar. Continuei até ouvir o
ronco de o primeiro trovão retumbar forte no meu peito até doer. Olhei para os
lados e procurei uma marquise e, do mesmo jeito que as formigas, me escondi.
Enquanto esperava a trégua dos
céus, um homem continuou seu caminho. Ele e seu guarda-chuva preto desciam a
rua como se tudo não fosse mais que o sereno da noite. Fiquei inquieto com a
situação. Ele parecia ignorar, voluntariosamente, todos os olhares ao redor, desprezando
as regras sociais que impedem um sujeito normal de caminhar na chuva
torrencial. Agora minha inquietação já era quase raiva diante do contrassenso.
Quem aquele homem achava que era? Acaso estaria ele em Hollywood para bancar o
Gene Kelly e sair dançando em plena chuva? Resolvi olhar para o lado e
esquecer. Pensei dizer-lhe umas boas verdades, daquelas que palavras têm o som
de espadas em campo de batalha. Desisti. Talvez o irracional naquilo tudo fosse
eu. Quis sorrir das circunstancias como os garotos bobos do outro lado da rua
que com o dedo em riste apontavam e riam-se em largas gargalhadas, mas o que
ele havia feito era imperdoável. Como alguém pode atirar verdades. em seco, sem
usar um único verbo? Cada passo que dava
me dizia “covarde, tem medo dos olhos alheios”; “não tem coragem. É chuva, e
só!”; “Fraco, eu sei que você queria estar no meu lugar”.
O homem sumiu de vista, a
chuva começou a cessar e aos poucos as pessoas apressavam-se em mover para,
novamente, voltar a ser a multidão sem nome, mas com olhos, ouvidos, bocas. Tomei
a condução no mesmo ponto de sempre e fui em direção ao dia-a-dia. Agora, bem,
agora espero outra chuva cair e, para o desdém do homem, fugir pelas aleias estreitas sem guarda-chuva ou capa. Só espero cair, cair, cair e outra vez gotas caírem.
Espero que tenham tido uma viagem agradável e que a cada dia aprendamos a beleza dos dias brancos de chuva.
Cordialmente,
- Comte. Arthur Machado -